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A IA e a sociedade ideal

Biblioteca ESJAC Tav

Created on May 16, 2025

Ensaio filos

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A IA e a sociedade ideal

por Leonor Santos Carvalho

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ENSAIO FILOSÓFICO

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"“Se um modelo de Inteligência artificial pudesse criar uma sociedade sem crime e desigualdade, mesmo que à custa das liberdades individuais, considera moralmente aceitável adotar essa solução?”

Apesar de a ideia de uma sociedade ideal, “perfeita”, ser o objetivo da maioria da população, não existe uma definição para tal, é algo subjetivo, não universal. A tentativa de criação de uma sociedade ideal envolveria uma enorme responsabilidade e ponderação. Assim, considero esta temática extremamente importante para o bem geral e o pensamento crítico, pois, o que é neste momento apenas um tema de um ensaio filosófico como este, pode vir a ser um problema, uma questão real e de extrema relevância para todo o mundo, visto que cada vez mais o ser humano aposta na Inteligência Artificial e nas suas capacidades para tomar decisões, cuidar da população, resolver problemas, entre outros. Primeiramente, considero necessário estabelecer os conceitos que levarei em conta para este ensaio filosófico:Sociedade sem crime: Para este ensaio, levarei o conceito de uma sociedade sem crime uma sociedade que respeite todas e quaisquer leis da devida unidade territorial.Sociedade sem desigualdades: Irei considerar uma sociedade sem desigualdade uma sociedade onde todos os indivíduos possuam as mesmas condições de vida.

XIII OLIMPÍADAS NACIONAIS DE FILOSOFIA, 2025

Perante esta questão, confesso que compreendo a tentação do que pode parecer uma sociedade sem desigualdades. No entanto, sou da opinião de que não é possível criar uma sociedade ideal e de que uma sociedade sem desigualdades não é tão benéfica como pode aparentar. Assim, não considero também que “uma sociedade sem crime e sem desigualdade” seja a chave para a mesma. Sou também contra a atribuição de tanta responsabilidade a uma Inteligência artificial. Então, a minha resposta a esta questão é: não, não acredito que seja moralmente aceitável adotar um modelo de Inteligência Artificial que criasse uma sociedade sem crime e desigualdade à custa das liberdades individuais. A partir do momento em que temos liberdade, deixa de ser possível criar uma sociedade sem crimes e sem desigualdades. No entanto, não é de todo moralmente aceitável abdicar das liberdades individuais para o alcançar. A liberdade é parte do que nos torna humanos. A liberdade é algo essencial ao ser humano e sempre será. Retirar ao ser humano as suas liberdades individuais seria retirar-lhes também um pouco da sua humanidade. É apenas com a nossa liberdade que pudemos fazer tudo aquilo que nos é imprescindível, como praticar atividades de lazer, socializar, debater, e muito mais. É tudo isto que nos atribui a nossa individualidade, e, a partir do momento em que abdicamos da nossa liberdade como indivíduos, mesmo que seja para fins como uma sociedade sem crimes e sem desigualdades, passamos a ser submissos e começamos a perder a noção de liberdade. E, se abdicamos da nossa liberdade para certas coisas, porque não abdicaremos dela futuramente para outros propósitos? E assim atribuímos um baixo valor à nossa liberdade e damo-la como algo que não é tão necessário, quando na verdade o é.

António Dacosta, , Cena aberta, 1940

Não é, por exemplo, castigar as pessoas através do encarceramento, retirar às pessoas a liberdade?Como cidadãos, temos vindo a aceitar esta condição. Devemos, então, abandonar esta punição?A prisão pode, sim, ser considerada como algo que restringe as liberdades individuais. No entanto, existe um contexto diferente. Indivíduos são presos por escolhas que realizaram no passado, escolhas estas que fizeram com consciência das suas consequências, da possibilidade de virem a ser presos, e, ainda assim, escolheram realizá-la. Não considero a prisão como a restrição da liberdade, mas como uma consequência da liberdade. Liberdade esta que levou ao malefício de outro indivíduo.

Title 1

O que me leva ao seguinte ponto. Será ideal termos uma sociedade sem qualquer tipo de desigualdades? A meu ver, não. Ao termos uma sociedade onde todos possuem as mesmas condições de vida, onde ficará a ambição? Quando temos uma sociedade 100% igualitária, temos também uma sociedade onde ninguém quererá fazer os trabalhos considerados menos agradáveis, ninguém terá ambições de ser melhor, de pensar mais, de melhorar no geral. Estou, então, a defender a criminalidade e a desigualdade? Não, não pretendo defender criminosos ou milionários. O equilíbrio é a peça mais importante para tudo. Acredito que as desigualdades devem ser diminuídas, sim, mas não acredito que acabar completamente com elas seja o ideal. Sou contra o facto de existirem pessoas que não têm rendimentos suficientes para viverem noutro sítio que não as ruas. Não sou também a favor de crimes. Contudo, a rigidez da Inteligência Artificial relativamente a crimes, a leis e a regras, acabaria, inevitavelmente, por levar a consequências graves.

Considero também problemática a ideia de que, ao vivermos sobre esta condição (“Se um modelo de Inteligência artificial pudesse criar uma sociedade sem crime e desigualdade, mesmo que à custa das liberdades individuais”), podermos perder a liberdade de nos manifestarmos, de contrariarmos, de sermos humanos. Ao termos uma sociedade criada pela Inteligência Artificial, sem crimes, teríamos também uma sociedade extremamente rigorosa. Ao, por exemplo, nos manifestarmos, poderemos cometer crimes, ir contra a policia, ir contra leis, contra o governo e as suas decisões, ao termos uma sociedade criada pela Inteligência Artificial sem crimes, perderíamos estas liberdades, tais como muitas outras. Este é um ponto crucial. Ao longo das décadas, sempre foi recorrente os seres humanos se manifestarem, foi através disso que foi possível que as mulheres tivessem mais direitos, que Portugal saísse de uma monarquia absoluta, e até o passarmos para uma república envolveu crimes. No entanto, se vivêssemos sob as condições descritas nesta questão, nada disto teria sido possível, estas condições acabariam por, de certa forma, serem um impedimento para a evolução. Uma sociedade onde as pessoas não se pudessem manifestar, contrariar, acabaria por levá-las a assumirem uma posição de submissão, estaríamos a formatar a sociedade para deixar de pensar por si própria. O modelo da sociedade poderia ser criado pela Inteligência Artificial, no entanto, poderia ser adaptada ao longo do tempo. Discordo, se a inteligência artificial tivesse de criar um modelo onde não existissem crimes e desigualdades, teria também de existir alguma maneira de garantir que não era cometido qualquer tipo de alteração deste modelo daí em diante. Seria imprescindível a criação de formas para que o modelo fosse incorruptível, se não, a sociedade acabaria por, eventualmente, ter crimes e desigualdades, devido à corrupção humana e à ambição.

António Dacosta, , Usurário, 1940

Ao refletir sobre esta questão, chego a duas diferentes situações. Ao termos uma sociedade moldada pela Inteligência Artificial, poderemos falar de um modelo aplicado a todo o mundo ou um modelo aplicado a um país específico. Se falamos de um modelo aplicado a todo o mundo, este implicaria uma lei geral, o que seria impensável, visto que cada país tem a sua cultura. Se considerarmos um modelo aplicado a todo o mundo, embora com adaptações a cada país, a sociedade não seria, de qualquer forma, sem desigualdades. Um modelo de sociedade deve ter como base os sentimentos sobre os quais esta recai. Assim, não existe qualquer sentido nesta ser criada por uma Inteligência Artificial porque esta não apresenta sentimentos nem valores morais. Uma Inteligência Artificial apenas assimila o que lhe é programado, a moralidade é diferente para todos, não é objetiva, o que o sujeito A considera correto, o sujeito B pode achar incorreto.

Amadeo de Sousa- Cardoso, Zinc, 1917

A Inteligência Artificial poderia ser programada por, por exemplo, um conselho de pessoas? Sim, mas, como escolheríamos os indivíduos para programar esta Inteligência Artificial? Seria possível que toda a gente fosse representada por estes indivíduos? Chegariam eles a algum consenso? Como iríamos nós ter a certeza de que, ao programar esta Inteligência Artificial, haveria uma perspetiva imparcial? Considero moralmente incorreto colocar o futuro dos seres humanos, seres cuja base é o sentimento, na responsabilidade de algo que não consegue sentir. Escolher um grupo de pessoas para programar esta Inteligência Artificial não poderia também ir contra a defendida igualdade? Se os indivíduos fossem selecionados aleatoriamente, não haveria garantia de que estes seriam adequados, mas, se estes fossem especificamente escolhidos, não seriam eles beneficiados? Não seria possível garantir que quem escolhia os indivíduos era adequado, nem seria possível garantir que os indivíduos escolhidos eram os adequados.

Quando damos à Inteligência Artificial a responsabilidade de criar uma sociedade, estamos a abdicar de uma sociedade flexível relativamente a erros, de uma sociedade de sentimentos, de uma sociedade humana. Se existem já constituições e leis, poderia então também existir um modelo fixo, sem crimes e sem desigualdades construído pela Inteligência Artificial? Não. Quando estabelecemos um modelo de sociedade, sem crimes e sem desigualdades, logicamente, não poderemos, então, ir contra ele. E isto é uma das questões mais importantes que diferencia as duas situações. A constituição e as leis não são as mesmas desde a sua criação. A primeira constituição portuguesa foi escrita em 1821 e aprovada em 1822. Hoje em dia, obviamente, não vivemos sob a mesma constituição. A sociedade é algo evolutivo, não fixo, e as constituições e as leis adaptam-se às evoluções da sociedade, e não ao contrário. Mesmo se esta Inteligência Artificial fosse programada por um conjunto de pessoas, haveria desacordos, possivelmente, corrupção, entre outros. A inteligência Artificial é exclusivamente lógica, não sendo assim flexível. Por mais que seja necessária a existência de leis, a flexibilidade é também um atributo importante, como, por exemplo, nas manifestações.

Esta temática é de extrema importância. Defendo que a sociedade deve ser construída por pessoas, para pessoas. E, mesmo que, aparentemente, uma sociedade sem desigualdades e sem crimes, seja ideal, acredito que devíamos refletir sobre ela e que não, estas não são as condições para uma sociedade e vida ideal. Não devemos nunca colocar as nossas liberdades individuais, pensamento crítico e opiniões de parte. É isto que nos torna nós mesmos, é isto que nos torna humanos. Quando perdemos a nossa humanidade, perdemos a sociedade, o sentido de compaixão, e aí, a única coisa que nos distinguirá das inteligências artificiais será o facto de que elas continuarão a pensar por si próprias, nós não.

Autoria: Leonor Carvalho Santos, 11.º Ano, Curso e Línguas e Huamnidade

(Menção honrosa, Prova de Ensaio Filosófico, XIII Olimpíadas Nacionais de Filosofia, 2025)

Escola Secundária Dr. Jorge Augusto Correia, Tavira

photography: Thought Catalog