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Dicas da imensidão - FGV
Leonardo de Barros Sasaki
Created on November 12, 2021
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Transcript
Dicas da imensidão Margaret Atwood
A autora
Margaret Atwood (Canadá, 18/11/1939 - ) 2 Booker Prizes Prêmio Príncipe das Asturias Autora de O conto da Aia
A tradução do título
"Dicas" temáticas
Dicas da Imensidão o deixou intrigado. “Imensidão” [wilderness] ele conhecia, mas “dicas” [tips]? Ele não soube dizer de imediato se a palavra era um verbo ou um substantivo. O livro em si ensinava coisas úteis, como apanhar pequenos animais em armadilhas e comê-los ou acender uma fogueira debaixo de um temporal. Essas instruções eram intercaladas com passagens líricas sobre as alegrias da independência e da vida ao ar livre e descrições de pescaria e de pores do sol. (...) Dicas da Imensidão ensinava você como sobreviver sozinho na floresta – algo que ele ansiava fazer. Como construir abrigos, fazer roupas de peles, encontrar plantas comestíveis. Também continha diagramas, desenhos em bico de pena – de rastros de animais, folhas e sementes. (...) Lá estava o vocabulário inocente e ultrapassado que outrora o inspirara: Masculinidade com M maiúsculo, coragem, honra.”
Eixos de discussão
- Paisagem canadense ("wilderness", "vida ao ar livre")- Questionamento existencial ("sobreviver sozinho", "fazer roupas de pele") - Fabulação: contar/imaginar o outro ("alegrias da independência")- Papéis sociais femininos, em especial ("vocabulário ultrapassado")
Os contos (como se fossem tweets)
- Lixo Verdadeiro: Joanne e Ronette são empregadas em uma colônia de férias para meninos. Joanne lê folhetins românticos, sente-se inadequada socialmente e gostaria de ser Ronette. Ronette mais livre e intensa, envolve-se com outro funcionário. Engravida. Anos depois, descobre-se que foi de um dos garotos hospedados. -Bola de cabelo: Kat é uma diretora de arte bem sucedida, que tem um caso com seu chefe, Ger. Ela descobre um tumor e o retira. Eventualmente é demitida e Ger assume as funções artísticas da revista. Enfurecida, Kat envia o seu tumor em uma caixa de presente para Ger e esposa em um evento social. - Ísis na escuridão: Selena é poeta. Richard, professor universitário medíocre, apaixona-se por ela e por sua escrita. Eventualmente casa-se sem amor com uma bibliotecária. Selena pede-lhe ajuda. Ele nega em virtude da esposa. Selena morre pouco depois, é reconhecida literariamente e Richard propõe-se a ser um especialista/pesquisador de sua obra.
Os contos (como se fossem tweets)
- O homem do brejo: Connor é um antropólogo e leva sua amante e ex-aluna, Julie, para uma expedição. Descobriram uma múmia em um brejo. Durante a viagem, Julia passa a ficar desconfortável com a situação. Eventualmente, desiste dela. Com o passar dos anos, percebe o quão estúpida foi a relação. - Morte por paisagem: Lucy e Lois são amigas. Encontram-se anualmente na colônia de férias. Lois tem uma vida mais ordinária e admira Lucy por sua personalidade. Lucy está em uma relação proibida pelos pais, dá sinais de não querer retornar para casa. Ela desaparece eventualmente. Lois envelhece com essa memória, busca a amiga em quadros que coleciona. - Tios: Susanna vive apenas com a mãe, que parece irresponsável e sem interesse pela maternidade. Os tios ajudam na criação. Torna-se jornalista, em parte auxiliada por Percy. Tem uma ascensão admirável na carreira, o que leva Percy a difamá-la em um livro, anos depois.
Os contos (como se fossem tweets)
- A era do chumbo: Ao ter notícias da descoberta de um cadáver congelado, Jane recupera as memórias de seu amigo Vincent. Ambos cresceram em lares repressores e normativos. Vivem a liberdade juntos, nas décadas de 60 e 70. Vincent morre de um vírus desconhecido. - Peso: Único conto narrado em primeira pessoa. Advogada já estabelecida à frete de um abrigo para mulheres agredidas por maridos. A iniciativa é uma homenagem à amiga Molly. Utiliza-se de seu capital erótico para conseguir verbas de homens ricos. Teve uma carreira bem sucedida e orientada pelo dinheiro. Molly era idealista, acreditava na causas, mas nunca teve retorno financeiro. - Dicas da Imensidão: George é um imigrante húngaro. Relacionava-se com Prue, mas casou-se com a irmã dela, Portia. São quatro irmãos, três mulheres (Prue, Pamela, Portia) e Ronald. Prue e George mantiveram encontros extraconjugais. O conto termina com a sugestão de um caso agora com Pamela. - Quarta-feira inútil: Marcia é colunista em um jornal, que passa por uma mudança de linha editorial. Seu marido Eric é um idealista radical, cheio de manias. Ela tem perfil conciliador apesar da mesma sensibilidade social. Ela sente falta da presença dos filhos, que estão prestes a visitá-la para o Natal.
Questionamento existencial
Questionamento existencial
Consideremos um objeto fabricado, como por exemplo, um livro ou um corta- papel: tal objeto fabricado por um artífice que se inspirou de um corta- papel é ao mesmo tempo um objeto que se produz de uma certa maneira e que, por outro lado, tem uma utilidade definida, e não é possível imaginar um homem que produzisse um corta-papel sem saber para que há de servir tal objeto. Diremos, pois, que, para cada corta-papel, a essência – quer dizer, o conjunto de receita e de características que permitem produzi-lo e defini-lo – precede a existência: e assim a presença, frente a mim, de tal corta-papel está bem determinada. Temos pois uma visão técnica. (SARTRE, 1946)“A perspectiva que adotamos é a da moral existencialista. Todo sujeito coloca-se concretamente através de projetos como uma transcendência; só alcança sua liberdade pela sua constante superação em vista de outras liberdades (…). Cada vez que a transcendência cai na imanência, há degradação da existência em “em si”, da liberdade em facticidade; essa queda é uma falha moral, se consentida pelo sujeito. Se lhe é infligida, assume o aspecto de frustração ou opressão” (BEAUVOIR, 1949).
Questionamento existencial
- A existência precede a essência. O indivíduo constrói sua própria essência que não existe a priori. - O indíviduo se percebe existindo (consciência/revelação). - A liberdade de construção do sujeito. Molda-se a partir de suas escolhas. E das contingências/opressões. Importância do olhar feminista de Beauvoir. - A angústia gerada por essa liberdade.
Questionamento existencial
“Quando emprego as palavras “mulher” ou “feminino” não me refiro evidentemente a nenhum arquétipo, a nenhuma essência imutável; após a maior parte de minhas afirmações cabe subentender: ‘no estado atual da educação e dos costumes’. Não se trata aqui de enunciar verdades eternas, mas de descrever o fundo comum sobre o qual se desenvolve toda a existência feminina singular” (BEAUVOIR, 1949)
Questionamento existencial
I. “Ele tinha sido Gerald logo que se conheceram. Ela o transformara em Gerry, depois em Ger.” “Ele é uma criação de Kat.” II. Criança: “Katherine romantizada, vestida por sua meticulosa mãe.” Ensino médio: Kathy, “ávida por agradar e tão desinteressante quanto um anúncio de publicidade de comida natural”. Universidade: Kath, “franca e sem frescura”. Adulta: Kat, nome “econômico, felino, cosmopolita.” Vai trabalhar em Londres e “sente-se presa, enjaulada, neste país, nesta cidade, nesta sala.” [Bola de Cabelo] III. “Selena não era seu nome verdadeiro. Ela simplesmente havia se apropriado dele, como havia se apropriado de tudo mais que a ajudara a construir sua nova e preferida identidade.” [Ísis na escuridão]
Fabulação: contar/imaginar o outro e a si
Fabulação: contar/imaginar o outro
Se a nossa existência está "condenada" a essa busca por liberdade, a fabulação (seja pela imaginação, seja pela memória, seja pela escrita, seja pela leitura) é uma maneira de transcender/romper os papéis sociais e todas as demais limitações/opressões que se nos impõem. Está aí um terreno potencial de experimentação livre (Joanne é redatora, Kat é diretora de arte, Selena é poeta, Susanna e Marcia são jornalistas). Contudo não há romantização aqui: o livro de Percy ou o estudo de Richard são fabulações para difamar/controlar)
Fabulação: contar/imaginar o outro
I. [por que ela não se casou?] “Dou de ombros. O que devo contar a ele? A história do noivo morto, roubada da tia-avó de uma amiga? Não. Muito tipo Primeira Guerra Mundial. Será que deveria dizer: “Fui exigente demais?”? Isso poderia assustá-lo: se eu sou difícil de agradar, como ele poderá me agradar?” [Peso] II. “Ainda tinha o hábito de criar narrativas, ainda queria saber o fim das histórias.” “Será que Joanne deve contar a ele?” “A história em si parece-lhe antiquada. É uma história arcaica, um conto de folclore, um artefato em mosaico. É uma história que hoje em dia jamais aconteceria.” [Lixo extraordinário]
Fabulação: contar/imaginar o outro
III. [Sobre a múmia congelada:] “parecem os pés de alguém que esteve andando num chão frio, em um dia de inverno”. [Mais adiante, em outro momento, pergunta-se:] “Quem segurou a mão dele, quem leu para ele, que lhe trouxe água?” [A era do chumbo] IV. Selena morre, passa a ser respeitada. Richard quer estudá-la. “Ele será apenas o arqueólogo” “É ele que vai peneirar os fragmentos em meio aos escombros, em busca da forma do passado. É ele que vai dizer que tem significado. Isso também é uma vocação”. [Ísis na escuridão]
Papéis sociais(em especial femininos)
Papéis sociais
Em nossa condenação à liberdade, estamos perpetuamente fazendo escolhas que moldam nossa existência, nossa identidade, a narrativa/fabulação que temos de nós mesmos. A vida, contudo, não se vive sozinha. Nossos projetos de vida dialogam e chocam-se com o de outros. "O inferno são os outros", na célebre frase de Sartre. A construção de si acontece pela alteridade, pela relação pressuposta no inescapável olhar do outro. Nos contos, a revisitação do passado é sempre em relação ao outro. Em geral são pares de personagem. Não raras vezes alguém é o par admirado pelo outro (Ronette, Lucy, Selena) ou o outro que se carrega ao longo da vida por algum trauma (Molly, Vincent) ou o outro que cerceia a completa liberdade da protagonista (Ger, Percy, Connor, George). Não à toa, no último grupo, todos são homens (risos) (nervosos).
Papéis sociais
Contexto histórico da "era da conformidade" (1946-1963, "long 50s"): pós-guerra, "ameaça comunista", baby boom, família nuclear, confinamento feminino, suburbia, normatividade.
Papéis sociais
Contexto histórico da segunda onda do feminismo (década de 60): sexualidade feminina, direitos reprodutivos, mercado de trabalho. “Começou a me passar sermões sobre a minha falta de seriedade e também sobre meu guarda-roupa, com o qual eu gastava demais, em sua opinião. Começou a usar palavras como patriarcado.” "Mais tarde, depois que ela se atirou na corrente de opinião que tinha engrossado até se tornar um rio no fim dos anos 1960, não dizia mais 'fazer amor'; dizia 'fazer sexo'."
Papéis sociais
Papéis sociais
- “Eles sabem que este é um país polígamo em todos os sentidos, menos no nome. Eu as deixo nervosa.” “Cuidar desse tipo de homem é uma arte em extinção”. Monogamia como instituição, no mínimo, problemática. - A mulher como elemento de consciência, de trabalho psicológico na relação. - A mulher independente e ambiciosa (Kat e Susanna) é cerceada. "o vocabulário inocente e ultrapassado que outrora o inspirara: Masculinidade com M maiúsculo." Interrogação sobre o que é ser mulher em um outro tipo de manual de sobrevivência.