Want to create interactive content? It’s easy in Genially!
VIAJAR NOS LIVROS - Delfina Velez
Maria Jorge
Created on February 17, 2021
Start designing with a free template
Discover more than 1500 professional designs like these:
Transcript
A equipa da BE@Distância
2020/21
LIVROS
VIAJAR NOS
Uma velha e o seu gato, Doris Lessing
Quando é "convidada" a habitar um lar do Município, visto que o prédio degradante onde morava iria ser remodelado para os mais endinheirados, ao aperceber-se de que não poderia levar o seu gato, Hetty foge para uma casa abandonada e a desmoronar-se, nos subúrbios de Londres. Este livro presenteia-nos com dois contos profundos e que nos conduzem à reflexão sobre inúmeras questões sociais. Vale a pena ler!
Após perder o marido, Hetty, de etnia cigana, vê-se sozinha no mundo. A sua filha boa envia-lhe , ocasionalmente, postais, mas os outros filhos votam-na ao abandono, dadas as suas características "estranhas". Sozinha, vê-se obrigada a vender trapos para sobreviver. A determinada altura da sua decrépita e solitária vida, associa-se a um gato vadio , com o qual partilha os pombos que este caça numa Londres dos pobres.
Jesus Cristo bebia cerveja, de Afonso Cruz
Um verdadeiro poema narrativo em que a vida e a morte andam de mãos dadas. Ler permite-nos viajar para outros mundos, adquirir conhecimento, desenvolver o sentido crítico. A leitura proporciona-nos "Viajar! Perder países! / Ser outro constantemente." Nesse sentido, o "Viajar nos livros" do nosso blog apresentar-vos-á várias opções de viagem através das nossas sugestões de leitura. Fiquem atentos e façam boas viagens!
Nas personagens de um romance em que a fatalidade supera a vontade, há rasgos de um humor amargo e simultaneamente mordaz, que nos faz questionar tudo: afinal, Jesus Cristo bebia cerveja e a Jerusalém ambicionada pela velha Antónia "parece" o Alentejo. Afonso Cruz é, indubitavelmente, pelo menos neste romance, uma das almas mais criativas da Literatura contemporânea. Neste livro fica apenas aquele amargo final de uma leitura que se queria interminável...
Uma vida muito boa, J.K.Rowling
Este é um discurso motivacional para todos os jovens que se encontrem num momento de viragem crucial das suas vidas. A salientar que as receitas da venda deste livro revertem para a fundação Lumos Foundation.
Contrariamente ao que nos habituou, J.K. Rowling não é apenas a criadora do mundo mágico de Harry Potter, embora, também neste livro, haja uma recuperação do fantástico universo da magia. Trata-se de um discurso proferido na Universidade de Harvard perante uma audiência de jovens recém formados.
Livro, José Luís Peixoto
Passando pela crise da emigração e pelos ódios do povo a Salazar, pela vida campesina e pelo marasmo de Portugal, pelo 25 de abril e pelo regresso dos emigrantes de primeira geração, Peixoto tece uma teia criativa que nos prende, não obstante a banalidade da história, tornando um tema mil vezes repetido em algo de inovador e genuíno
Pátria, Fernando Aramburu
perdoar, uma comunidade fragmentada pelo fanatismo, todos estes são os ingredientes que prendem da primeira à última página.
716 páginas arrebatadoras. O terrorismo da ETA, o assassinato de inocentes, a realidade basca de famílias envolvidas em situações sem escolha, a amizade, o amor, a podridão humana, as convicções inabaláveis, a riqueza das personagens (Bittori, Nerea, Arantxa, Miren:as personagens femininas são, a meu ver, super heroínas nesta narrativa masculina), a impossibilidade de esquecer, a necessidade de
A maldição do Marquês, Tiago Rebelo
Génio? Déspota? Sedento de poder? Maléfico e pobre de espírito? Mente iluminada? Cabe ao leitor decidir.
Um excelente romance histórico! Embora levado pela ficção, Tiago Rebelo apresenta um excelente documento de investigação, onde todo o governo de Sebastião José de Carvalho e Melo se coloca em perspetiva.
A minha avó pede desculpa, Fredrik Backman
É aí que se inicia a maior aventura de Elsa, pois as cartas levam-na a descobrir o que se esconde por detrás das vidas de cada um dos estranhos habitantes do prédio onde mora, mas também à verdade sobre os contos de fadas e à conclusão de como as escolhas do passado de uma mulher ímpar, a sua avó, criam raízes no futuro dos que a conheceram.
Elsa, com 7 anos de idade, é uma menina diferente e, consequentemente, vítima dos seus pares. A pequena fã de Harry Potter tem uma relação simbiótica com uma avó que a conduz a um mundo de histórias bizarras, inspiradas em personagens reais.Quando a avó, capaz de assaltar um jardim zoológico porque a neta está triste, morre vítima de cancro, deixa uma série de cartas a pedir desculpas às pessoas que considera ter prejudicado.
Idiotas úteis e inúteis, Ricardo Araújo Pereira
Repleto de humor, sarcasmo e ironia, este livro aborda as mais variadas temáticas da sociedade atual, conduzindo-nos à reflexão.
Crónicas humorísticas escritas para o jornal A folha de São Paulo. Escritas com o sarcasmo a que Ricardo Araújo Pereira nos vem habituando. Este senhor usa e abusa da língua portuguesa com uma mestria incomparável.
Felicidade, João Tordo
É neste tempo que o narrador cai num abismo pessoal, já que a sua primeira e única noite de amor com Felicidade acaba de forma trágica.Fica a ideia de que a narração é feita post mortem. Tal como numa tragédia grega, o herói encontra-se subjugado por forças indomáveis, preso entre 2 mundos. São tratados temas como o amor e a morte e as pulsões humanas que os unem.
Nas vésperas de uma revolução, um jovem rapaz de 17 anos, filho de um arquiteto conservador e de uma mãe povoada por ideias liberais, apaixona-se por Felicidade, uma das trigémeas que frequenta a Passos Manuel. As irmãs Kopejka são a grande atração do liceu: bonitas e determinadas, despoletam a fantasia e desejos inalcançáveis. Historicamente, vive-se a promessa de liberdade, com todos os seus riscos e encantos.
Contra mim, Valter Hugo Mãe
É no "ano introspectivo" de pandemia que regressa com a história da sua própria infância, revelando a magia de crescer a colecionar palavras.
Neste livro, Valter Hugo Mãe conta-nos como, a partir da infância, tudo na sua vida parece indiciar a inevitabilidade da escrita. A constatação definitiva surge no concurso de recolha de provérbios, que lhe valeu um chocolate em tempos de miséria : viveria das palavras!
A máquina de fazer espanhóis, Valter Hugo Mãe
Os dias no lar passam-se observando os outros, adivinhando-lhes as histórias, relembrando as suas próprias ou analisando a condição de velho, esperando a morte. Silva revela a consciência da perda e da injustiça de ter que se manter vivo. Particularmente interessantes as páginas dedicadas ao estudante revolucionário que Silva escondera na sua barbearia e, anos mais tarde, acabara por denunciar. Essa cobardia acompanha - o para sempre, pois sente na consciência o peso de ter vivido como um carneiro e de não ter tido a coragem e a ousadia de lutar contra o regime. Um livro bonito, mas irremediavelmente triste.
A perda de Laura, a sua companheira de quase 50 anos, atira o narrador para o lar Feliz Idade, onde vemos desfilar um rol de personagens presas à tristeza de envelhecer sozinhas. Este retrato da vida dos velhos fala-nos intimamente da portugalidade e da candura que existe nos momentos mais tristes. A vida deste barbeiro reformado ilustra os conceitos de família e solidão, amizade e compromisso. Silva vê o declínio da saúde e começa a perda das faculdades físicas e mentais. À noite, imagina corvos e outros pássaros negros a atacarem-lhe a cama e a cabeça.
O avô tem uma borracha na cabeça,Rui Zink
Este menino que se torna o lápis para a borracha que o avô tem na cabeça prova-nos que o amor é mais forte do que o esquecimento.
"O que fazer quando alguém de quem gostamos começa a esquecer? Esta é a história de amizade entre um avô que lentamente vai perdendo as memórias e o neto inventor que se dedica a descobrir uma cura".
Uma noite não são dias,Mário Zambujal
Este breve relato acaba por ser uma crítica à pequena burguesia da nossa sociedade, onde o humor e uma linguagem escorreita andam de mãos dadas. O helijequingue e o roubo da coroa da rainha Matilde são apenas um pretexto para que estas personagens do futuro se reúnam, fazendo-nos refletir um pouco sobre as perfídias e contradições da vida quotidiana. Trata-se de um bom momento para quem dispõe de pouco tempo para a leitura.
Lê - se num ápice. Passa - se no futuro, em 2044. Impera a ideia da emancipação feminina, em que no governo a maioria é constituída por mulheres, num mundo em que o avanço tecnológico permite que carros se movimentem a micro algas. Nesta aparência futurista, as personagens têm os mesmos medos, desejos e anseios do que nós.
Histórias de adormecer para raparigas rebeldes, Elena Favilli e Francesca Cavallo
Mini biografias de mulheres relevantes, algumas muito conhecidas, outras votadas à ignorância, mas todas elas importantes, à sua maneira, na história da humanidade. A escrita é simples e minimalista, mas o livro prima pelas maravilhosas ilustrações que acompanham as biografias.
Um livro para provar às raparigas que elas são capazes de fazer aquilo que quiserem.
As crianças invisíveis, Patrícia Reis
Narrado sob o ponto de vista das crianças, torna-se marcante pelo tom sensível, mas, lamentavelmente, real. No mundo adulto, das pessoas visíveis, a personagem mais marcante é Conceição, a assistente social que vê o seu próprio casamento destruído pela entrega altruísta com que se oferece a estas crianças invisíveis. Trata-se de um livro que dói, sem retirar a esperanca: "Já sei o que é a felicidade. É uma escada para casa"
Crianças sem nome e designadas apenas pela letra inicial do nome que lhes terá sido atribuído... Capítulos que se iniciam com a última frase do capítulo anterior...Numa escrita escorreita, Patricia Reis leva-nos a um mundo de crianças rejeitadas, devolvidas, que crescem numa instituição de acolhimento, atravessando um processo de invisibilidade, no qual a dor se confunde com a esperança de encontrar uma vida a que possam chamar sua. Este romance ímpar de adoção, maus tratos e abandono surpreende até ao fim. É um livro forte, duro e avassalador.
Manual de sobrevivência de um escritor,João Tordo
As imensas referências a outros autores e obras instigam à leitura. Que livro tão bom! Citando o autor, "Muitos dos grandes livros são assim, não têm sinopse possível"
A prova de que um livro de não ficção pode arrebatar. Escrito com a mestria de João Tordo, este livro faz-nos entrar numa espécie de conversa sobre a escrita e a Mãe Literatura. Excelente para se conseguir outras referências de leitura. Lendo estas páginas e sublinhando desenfreadamente, ficou-me a vontade de reler integralmente Saramago e Crime e Castigo.
A balada do medo, Norberto Morais
Está patente, em toda a obra, o medo e a irracionalidade do ser humano perante a perspetiva de uma morte anunciada. As personagens são riquíssimas nesta espiral de medo em que o protagonista mergulha e quase se afunda, percorrendo os caminhos mais sinuosos e negros de si mesmo e do seu passado, numa busca de motivos para a salvação. Neste país inventado, atravessado por um rio que não existe, abalado por uma guerra civil, surgem personagens magnificamente concebidas como é o caso de Sérgio de Niã Côco, o homem que o "aperfilhou", após o ter ganho numa aposta, e lhe ensinou tudo sobre a vida , Rosa Cabrera, a amante que nunca foi e, por isso mesmo, a mais persistente na memória, e o padre Pôncio Leona, fundador do cemitério que tardou a inaugurar e representativo de algumas podridões da condição humana
Após uma vida de errância, Cornélio Pentecostes regressa à sua terra, onde deixara mulher e filhos. A sua vida dá uma grande reviravolta, já que este suposto caixeiro viajante terá que fugir de uma morte anunciada. Este protagonista, de vida múltipla e com várias identidades, rodeia-se da mentira e de façanhas que utiliza, não só para trair a ingénua mulher, mas também para enganar as várias mulheres que vai conquistando pelos lugares onde passa. Tudo muda quando Cornélio é ameaçado de morte e tem apenas 10 dias que lhe restarão, caso pague, numa moeda inventada, por cada um desses dias. No desespero de enganar o seu algoz e tentar escapar com vida, empreende uma viagem geográfica e de introspeção pelos lugares onde anteriormente tinha estado.
Mulheres da minha alma, Isabel Allende
Chamar a este um livro sobre o feminismo é minimizá-lo. Este é um despertador de consciências, quase um manual de sobrevivência feminina num mundo em que ainda, em pleno século XXI, está enraizada a mentalidade do patriarcado.
Aqui, são dignificadas mulheres anónimas que sofrem a violência de género e, com dignidade e coragem, se levantam e avançam. São também abordadas as mais recentes lutas sociais, nomeadamente as revoltas no Chile. Isabel Allende é uma apaixonada pela vida, uma força avassaladora, uma mulher inspiradora
O apocalipse dos trabalhadores, Valter Hugo Mãe
Um retrato do nosso tempo em que duas mulheres a dias, um reformado e um jovem ucraniano refletem sobre os caminhos sinuosos da vida... e da morte. Maria da Graça sonha em morrer de amor e, por essa razão, sonha frequentemente com o paraíso e tem desavenças com S. Pedro. O senhor Ferreira, seu antigo patrão, sovina e abusador, falou-lhe de Goya, Rilke ou Mozart, homens que impressionam o próprio Deus. Todas as personagens deste livro buscam o paraíso e acham que a felicidade vale qualquer risco, nem que seja para as lançar no abismo. Maria da Graça e Quitéria compartilham, além da profissão, a desilusão de uma vida monótona.
Para além de mulheres a dias, ganham dinheiro como carpideiras, chorando em velorios de desconhecidos. Vítimas claras da invisibilidade social, ambas buscam subterfúgios para despistar o vazio de uma existência dedicada apenas a sobreviver. Andriy é, talvez, a personagem mais emblemática deste romance. Fugindo da miséria e da instabilidade política da Ucrânia, chega a Portugal sem saber a língua e disposto a trabalhar. Encarna a solidão e o ostracismo imposto aos imigrantes. Interessante a personagem do cão com pulgas, de nome Portugal. "o portugal por vezes pressentia aqueles sentimentos e latia, ela dizia-lhe, cala-te, palerma, onde é que já se viu um país a ladrar". Este é um retrato fidedigno da sociedade portuguesa do século XXI, associando tragicidade, ironia e humor.
O mistério do comboio azul, Agatha Christie
Poirot viaja no famoso comboio azul, em direção à Riviera francesa, tal como Katherine Grey, que passará o seu primeiro inverno fora de Inglaterra, após ter herdado uma considerável fortuna. A bordo, Katherine conhece Ruth Ketterin, uma riquíssima americana, infeliz no casamento, que viaja com o intuito de se encontrar com o seu amante.
Na manhã seguinte, Ruth é encontrada morta no seu compartimento e o famoso rubi, "coração de fogo", que lhe tinha sido recentemente oferecido pelo seu pai, desaparecera. O pai de Ruth, o milionário Rufus Van Aldin, e o seu secretário, Major Knighton, persuadem Poirot a tomar conta do caso. Uma leitura prazenteira.
O Ickabog, J. K. Rowling
Em tempos a Cornucópia fora o reino mais feliz do mundo... Um livro para crianças que fala de mentira, manipulação das massas, corrupção, ganância e maldade humana, mas também sobre a verdade, a esperança e a amizade. Os monstros só são reais se acreditarmos neles... Ou se não acreditarmos no poder da amizade.
O Projeto Rosie, Graeme Simsion
Don Tillman, professor de genética na Universidade de Melbourne, tem Síndrome de Asperger, embora o desconheça. A sua dificuldade de interação social leva-o a criar o "projeto esposa", um inquérito com o qual pretende encontrar a compatibilidade para a mulher perfeita para si. Todas as tentativas são logradas, dado o grau de exigência das questões colocadas. Há sempre falhas.Rosie Jarman não é uma potencial parceira para Don, já que não preenche a maioria dos requisitos do inquérito.
É desqualificada de imediato. Ela própria tem um projeto pessoal : o de encontrar o pai biológico. Don ajuda-a com o "projeto pai". Sendo inadequada para Don, Rosie não pretende modificá-lo e aprende a lidar com a diferença dele, desajustando-lhe todos os rituais e proporcionando-lhe experiências (uma vida normal) nunca antes vivenciadas. Divertido e comovente, este livro demonstra que o amor, ou pelo menos a vontade de amar, desafia toda a racionalidade.
O macaco bêbedo foi à ópera, Afonso Cruz
Um macaco desce da árvore para comer frutos caídos no chão, ou seja, mais maduros e mais doces, portanto mais fermentados e com um leve cheiro a álcool. Outros macacos seguiram-lhe o exemplo e o aumento das calorias consumidas conduziu ao crescimento do cérebro e fez com que a coluna se endireitasse e as mãos se libertassem. Muitos séculos decorridos, estávamos a ir à ópera.
Esta teoria centraliza o álcool na origem da evolução humana, justificando a nossa insaciabilidade milenar, culminando nesta civilização acumuladora, gananciosa e assaz louca na qual vivemos.
Dei o teu nome às estrelas, Rui Conceição Silva
1883, Figueiró, uma terra perdida na imensidão das serras. Joaquim, professor e narrador desta história, deixa um testemunho vivo das gentes da terra, num hino a Figueiró, a José Malhoa, a Manuel Henrique Pinto, aos caminhantes. É com eles que Joaquim descobre o lado bonito da sua terra, neste romance repleto de paisagens rurais. O verdadeiro e eterno amor por Olinda nasce antes de a conhecer, apenas por ouvir a sua voz.
Este livro tem rasgos camilianos de Amor de Perdição e Queirosianos, pelo realismo, pelas tertúlias dos caminhantes, pela magnificência das descrições... Desperta- nos para o valor do que não é imediato e convida-nos a parar e escutar, salientando a importância do que nos falta viver... antes que seja tarde demais.
O paraíso segundo Lars D., João Tordo
Trata-se de uma narrativa inquietante sobre um escritor sexagenário que, incomodado pela doença e pela vida, está há muito tempo sem vontade de escrever. Numa manhã de inverno, Lars sai de casa e encontra uma desconhecida a dormir no seu carro. Acaba por partir em viagem com esta personagem oposta, Gloria, que ao contrário de si, vive os dias conturbados da juventude; deixa, assim, para trás, uma casamento de uma vida inteira e um romance inédito : O luto de Elias Gro.
É a mulher de Lars que assume as rédeas da narrativa, refém das memórias dos anos vividos com o escritor. Com a vida bloqueada pela ausência de Lars, o seu caminho cruza-se com Xavier, um jovem estudante que a auxilia na busca pelo paradeiro de Lars, explorando uma certa ideia de paraíso. Trata-se, na essência de tudo, de fazer as pazes com a memória e com os afetos.
Os crimes do ABC, Agatha Christie
A narrativa é extremamente bem engendrada e torna-se impossível parar de ler. Em momento algum desconfiamos do verdadeiro assassino ; apenas o bizarro é inteligente belga, Hercule Poirot, analisa e reflete tudo, meticulosamente, conduzindo-nos a um final inesperado.
Não há dúvida de que esta senhora é a rainha do crime ou, como gostava de ser apelidada, a duquesa da morte. Um aparente assassino em série, que mata por ordem alfabética, enviando previamente cartas a Hercule Poirot, alertando-o do local do crime seguinte, deixa junto de cada vítima um exemplar do ABC - um guia dos caminhos de ferro - aberto no nome da cidade onde o crime foi cometido.
A mulher que correu atrás do vento, João Tordo
Uma narrativa magnética, uma obra extraordinária, magistralmente escrita. Sinopse impossível... Nada faria jus a este belíssimo livro.
Um romance a várias vozes: a história de 4 mulheres aparentemente sem ligação —Lisbeth, Graça, Beatriz e Lia — que atravessam um século de História e diferentes espaços geográficos, unidas por uma força que transcende a própria vida.
Para lá do Inverno, Isabel Allende
São muito duros os relatos associados à questão da imigração ilegal nos Estados Unidos, mas ainda mais duras as cenas de violência e crime na Guatemala. O tema do tráfico humano está presente, mas no final prevalece a esperança na capacidade de sobrevivência do ser humano.
Amor, envelhecimento, pessimismo, otimismo, humor, seriedade são os ingredientes de uma história que tem lugar em Brooklyn, Brasil, Guatemala, Canadá e Chile. Caos e drama estabelecem uma química e cumplicidade entre 3 personagens com histórias de vida tão diferentes e todas tão marcantes. Richard Bownaster, Lucia Maraz e Evelyn Ortega encontram-se em circunstâncias inacreditáveis. Sem nada que aparentemente os conecte, estes 3 tornar-se-ão indissociavelmente ligados.
Coisas de loucos, Catarina Gomes
Mais angustiante ainda é a história do bailarino Valentino, cuja homossexualidade foi "tratada", como se de uma doença mental se tratasse. Histórias duras de pessoas que foram ostracizadas pelo sistema, pela sociedade, e, na maioria dos casos, pela própria família. Um excelente trabalho de investigação e dedicação. Às pessoas que habitam estas histórias, a autora prestou uma merecida homenagem, devolvendo-lhes a dignidade que lhes fora retirada.
A propósito de uma reportagem sobre o encerramento, em 2011, do hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, Catarina Gomes encontra uma caixa de cartão repleta de objetos pertencentes a antigos doentes do hospital e, a partir deles, recria a sua história de vida. Este é um conjunto de histórias (de 8 pessoas) sobre o que foi ser doente psiquiátrico entre os anos 20 e 70 do século passado. Torna-se angustiante saber como determinadas doenças mentais eram tratadas, a que se sujeitavam os doentes, as condições do hospital...
As primeiras coisas, Bruno Vieira Amaral
As personagens são credíveis, são reais, estabelecem as relações certas, por vezes imprevisíveis, entre si. O registo é, muitas vezes, cru, próprio da realidade que retrata: os pretos, os ciganos, os brancos das barracas, os retornados,... um lugar perdido na margem sul. Resumindo a história de cada um, o Bairro Amélia poderia quase afirmar-se como uma personagem coletiva. Um romance de estreia de alguém que incomoda .
Este álbum de recordações de um bairro é-nos apresentado através de uma escrita muito nítida e hábil. O prólogo, de mais de 50 páginas, é uma forma inédita de apresentar o que virá a ser uma descida à memória (ao inferno) pela "mão" de Virgílio, o fotógrafo, numa visão dantesca de um bairro, o Bairro Amélia, povoado por personagens repletas de peculiaridades. O prólogo apresenta-nos o protagonista, que fará a descida ao seu inferno pessoal no regresso à sua terra de origem. O narrador vai-se metamorfoseando na apresentação de cada um dos elementos desta intrincada história.
Perguntem a Sarah Gross, João Pinto Coelho
Em 1968,Kimberly Parker, uma jovem professora de literatura, começa a ensinar no colégio mais elitista de Nova Inglaterra, dirigido pela misteriosa e carismática Sarah Gross. Kimberly foge de um terrível segredo (as frequentes violações por parte do tio) e procura em St Oswald's a paz possível cruzando - se com a exuberante e apaixonante Miranda, o bibliotecário Clement e a diretora do colégio, Sarah Gross. A tragédia da morte de Sarah conduz Kimberly a descobrir o passado avassalador de Gross.
Há uma fidelidade histórica nos acontecimentos que serve de pano de fundo ao lado ficcional. Esta história dentro da história, encadeada em 2 épocas distintas, dirige-nos a um inesperado desfecho que nos faz sentir um misto de compaixão e revolta. A resiliência de quem não baixa os braços e luta por aquilo em que acredita fazem de Sarah Gross uma personagem fascinante. Este livro tem o mérito de nos abalar, de nos desassossegar e é a prova de que Auschwitz pode ser inesgotável, sem cair em modinhas comerciais. Profundo e imperdível!
A menina dos anos, Haruki Murakami
O que torna este livro tão interessante é aquilo que não diz. Algo fantástico pode acontecer na realidade mundana da vida. No dia do seu vigésimo aniversário, uma empregada de mesa vai entregar a refeição ao seu patrão. Habitualmente está função era desempenhada pelo gerente do restaurante, mas nesse dia uma dor de estômago impediu-o de o fazer.
Numa estranha conversa entre patrão e empregada, este promete cumprir-lhe um único desejo, já que é o dia do seu aniversário. Nunca sabemos que desejo pediu, mas sabemos que a sua vida muda depois disso: consequência do desejo pedido? Murakami deixa-nos na escuridão... e, ainda assim, dá - nos prazer!
O diário oculto de Nora Rute, Mário Zambujal
Nora Rute escreve no seu diário, acrescentando-lhe um registo de acontecimentos que marcaram o ano de 1969 (as manifestações estudantis, as guerras em África, a chegada do homem à lua...)
Esta jovem desafia as regras de uma sociedade machista e regista no seu diário a agitação dos seus dias. A história é divertida, mas os momentos históricos são abordados de forma demasiado ligeira. A personagem de Nora é um dos alguém que quer abraçar as mudanças, mas acaba por ficar à margem.
O menino de Cabul, Khaled Hosseini
No inverno de 1975,em Cabul, tudo o que Amir mais deseja é ganhar um concurso de papagaios de papel, evento marcante em Cabul e na sua vida, para poder impressionar o seu pai. Hassan, o seu amigo (criado) inseparável, está disposto a ajudá-lo e pagará bem cara a sua fidelidade a Amir já que, nessa tarde, um terrível acontecimento vai destruir os laços que unem os dois rapazes para sempre. Na corrida para apanhar o último papagaio que dará a mais gloriosa vitória a Amir, Hassan acaba por ser apanhado por um grupo de rapazes e é violado por Assef, que virá a tornar-se um futuro talibã.
Amir assiste, de longe, à violação, e nada faz para ajudar Hassan. Toda a narrativa se vai desenrolar em torno do seu peso de consciência. A triste realidade de Cabul (apedrejamentos , execuções, órfãos esfomeados, mulheres desfiguradas ,...) desfila perante os olhos do leitor, despertando-nos para outra perspetiva da história da humanidade: vista por dentro e com muita dor...
O pintor debaixo do lava-loiças, Afonso Cruz
Um mordomo que não tinha filtros, que dizia tudo o que pensava, que percebia a vida à letra e que não entendia metáforas, acabou por ser condenado à forca devido a um recurso expressivo que não conseguiu entender. O seu filho, Sors, desenhava a vida tal como a via: beijava os biscoitos inacabados de Frantiska e via nela o infinito e, simultaneamente, o risco da dispersão.
Na guerra, Sors defende que apenas se sai vitorioso sem matar ninguém e sem ter morrido. " Para ganhar uma guerra _ disse Sors_ há duas condições : não morrer e não matar. É só nesse caso que se pode sair vitorioso de uma guerra". Afonso Cruz está a entrar-me pelos olhos adentro, tornando-se, a cada linha que absorvo, num dos meus escritores de eleição!
O mensageiro do rei, Francisco Moita Flores
D. Manuel II, após o assassinato de D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, vê se recair sobre si a responsabilidade de reinar num país onde os monárquicos não se entendiam e os republicanos recorriam a todos os métodos para que se desse a queda da monarquia. O rei que não o queria ser apaixona-se por uma atriz/bailarina francesa,Gaby Deslys.
É Antoine Deslys, o neto da atriz, que vem a Portugal tratar de que se homenageie a sua avó através do cinema. A trama a que assistimos até à implantação da República é, portanto, nada menos do que as filmagens dessa homenagem. O argumentista, Francisco Montoito, é um personagem que nos faz rir com as suas tiradas, mas de uma inteligência e perspicácia incríveis. Interessante e de fácil leitura.
Homens imprudentemente poéticos, Valter Hugo Mãe
Um livro imprudentemente poético que conta a história de uma pequena aldeia num Japão longínquo e passado. A ação gira em volta da inimizade entre o artesão Itaro e o oleiro Saburo e da intenção íntima de, secretamente, se assassinarem. O oleiro perdeu a mulher num episódio que Itaro havia previsto e fica aprisionado a um passado ao qual acredita poder retornar. Itaro, sempre que mata algum bicho, prevê o futuro, pelo que, após prever a sua própria cegueira, o artista dos leques vive na expetativa da tragédia. As mulheres, neste livro, têm o poder de desbravar e guiar todo o enredo. Matsu, a jovem cega irmã de Itaro, tem uma visão sensível do mundo e das coisas à sua volta, movendo-a a gratidão pela vida (fora salva pelo irmão quando os pais, por ser mulher e cega, a tentaram afogar).
Kame, a criada que também é família (mãe perto), assume uma posição maternal, absorvendo todas as tensões da vida familiar, cuidando e sofrendo pela família que não é sua. Fuyu, a esposa falecida de Saburo, imaterialmente presente através do seu quimono, surge como a personificação do amor que perdura por toda a aldeia. Nesta história em que se contrapõe a vida e a morte, a escuridão dos homens e a luz proveniente da cegueira, sentimos estar na presença de um poema em prosa.